sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Futuro - Parte III: Confiança

*Foto por José Lopes



Conheceram-se numa viagem de comboio e a partir daí percorreram o mesmo trajecto juntos todas as manhãs e fins de tarde. Umas vezes falavam sem parar, riam, sonhavam, gracejavam. Outras vezes percorriam todo o percurso em silêncio, olhos nos olhos, pois estes falavam mais alto do que todas as palavras e assim, no silêncio, se compreendiam como ninguém. Raras vezes se tocavam. Os sentimentos que nutriam eram tão puros, fortes e autênticos que as almas já estavam unidas sem precisarem de mais que as completasse ou demonstrasse o que neles ia. Até que um dia ambos mudaram de comboio. Não houve avisos nem despedidas nem gritos nem lágrimas nem quaisquer questões. Não era necessário. Nenhum deles precisava de fazer notar ao outro que não o havia esquecido, que se lembrava sempre dele ou dela. Como esquecer se faziam parte um do outro? Como esquecer algo que está no nosso interior e que nos completa como ser? Impossível. E sabiam que, na altura certa, se voltariam a encontrar, num outro comboio, num outro trajecto e se olhariam em silêncio, sorririam e sentiriam que há viagens que não precisam ser marcadas...

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O futuro não chega


* Foto de Heloísa Gralha



A fila da bilheteira parecia nunca mais acabar. Parece que toda a gente havia decidido viajar naquele dia, mas não, era assim todos os dias, a todas as horas. Era uma estação muito concorrida e como era obrigatório reservar lugar nos comboios, muita gente era obrigada a esperar horas pelo seu comboio pois todos os outros partiam lotados. Assim foi também com ela mas agora ali estava, de bilhete na mão que tremia nervosa, tentando regularizar a respiração com esforço tal era a ansiedade. Tinha pressa em chegar ao seu destino mas balançava entre a curiosidade e a esperança e o receio movido pela incerteza. Finalmente, lá vislumbrou o seu comboio e aproximou-se, procurando a sua carruagem. Era estranho. Todos os lugares estavam virados para a direcção contrária. Todos. Encolheu os ombros e sentou-se no seu lugar, pensando que talvez noutra carruagem os bancos estivessem virados para a direcção correcta. Soou o apito e ela sentiu-se estremecer, mas foi assolada por nova surpresa. O comboio havia iniciado marcha lenta mas na direcção contrária. Andava para trás! Olhou para o bilhete. Não compreendia. Envergonhada mostrou o bilhete ao passageiro do lado e perguntou-lhe se aquele comboio se dirigia para aquele destino, não se tivesse ela enganado e tomado o comboio errado. Mas reparou que muitos pareciam tão confusos quanto ela. Outros não se pareciam incomodar com a situação. Ela, porém, esperara tanto para chegar ao futuro... e agora andava para trás.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O FUTURO...


Foto por: rudolfo lopes


...como em todas as segundas-feiras da sua vida, ou pelo menos até onde a memória alcança, lá ia ele no comboio que o levava todos os dias à mesma hora para o emprego... Sentado no mesmo lugar “de sempre” lá ia ela à janela mas sem ver nada do que lá fora se passava... também, o que haveria de novo para ver?! Era tudo sempre igual... sempre fora assim... e sempre assim seria... desde que se recordava saia sempre à mesma hora de casa e há mesma hora chegava ao destino... a carruagem onde sempre seguia transportava sempre as mesmas pessoas... ou, pelo menos, aos olhos dele pareciam sempre os mesmos rostos, cansados e tristes, como o dele... a caminho de apenas e só... MAIS UM DIA...

Estranhamente sentia-se observado... algo de diferente se passava naquela viagem... olhou em volta lenta e discretamente... mas tudo estava... na mesma... todos estavam a dormir ou naquele estado de hipnose de quem pensa que assim consegue aproveitar mais uns minutos do descanso que não teve durante a noite...

Algo se passava... continuava a sentir-se observado... alguém o olhava fixamente mas por muito que tentasse não conseguia ver nem quem nem de onde o fazia... olhou novamente pela janela como quem finge que tem interesse pelo movimento da cidade lá fora... subitamente, detectou um vulto no vidro... um reflexo... sim, era isso mesmo... pelo reflexo do vidro podia ver claramente alguém que o olhava fixamente... afinal tinha razão... voltou-se rapidamente mas já não viu ninguém... que estranho... ainda agora aqui estava... olhou novamente para o vidro e lá estava ele de novo... mas sempre que ele tentava visualizar esse personagem ele parecia desaparecer... estava a ficar nervoso, sem perceber o que se passava... como é que era possível?!? Só conseguia ver o homem no vidro?!? Porquê?!? Quem seria ele?!? E porque é que estava ali a olhar fixamente para ele?!? Tantas perguntas... nenhuma resposta...
Olhou novamente para o vidro e voltou a ver o reflexo do homem... mas desta vez não se voltou... olhou-o fixamente através do vidro sem pestanejar... como que a tentar intimidar o indivíduo pagando-lhe com a mesma moeda...

O que fazes?!? – Ouviu – o mesmo que tu! – Respondeu de pronto. Quem és tu? O que queres de mim? Porque me olhas assim? Conheço-te de algum lado?

Tantas perguntas – disse o homem – e a nenhuma delas vale realmente a pena responder...

O quê?!? Estás a gozar comigo não?!? – disse ele já algo enervado com a situação...

Não... nada disso... queres mesmo saber quem sou eu?! – Sou o futuro!!

O FUTURO?!? Está bem está... não me lixes... deves pensar que nasci ontem não?!?

Como queiras!! – respondeu o homem... apenas te respondi aquilo que me perguntaste... eu bem te disse que não valia a pena responder a nenhuma das tuas questões...

Hummm... ok.. imaginemos que eras mesmo o futuro... e daí... o que fazes aqui e o queres de mim?!

Eu?! – disse o homem?!? – Eu não quero nada de ti... és tu quem quer de mim...

Ai ai ai... assim não nos entendemos... eu?!? Eu nem te conheço!

Exactamente! – disse o homem – não me conheces... nem podes conhecer... como te disse sou o futuro e não o presente ou o passado... como me quererias tu conhecer?!

Oh pá!! Granda tanga... deves ser é um desses cromos que quer vender alguma treta ou dalguma dessas seitas religiosas ou o raio que o parta... procura outro pá... que de mim não levas nada...

Como te disse, de ti não pretendo nada... foste tu quem me chamou... és tu que queres algo de mim... só não sabes o quê... esse é o teu problema... e é por isso que aqui estou... para saber o que queres tu de mim...

Tá bem tá... eu?!? De ti?!? Mais dinheiro e menos horas de trabalho... é isso que eu quero!

Ok... certo... já percebi... e o que me estás tu disposta a dar em troca?

A dar em troca?!? Eu vi logo que aí havia coisa... já me estás a querer lixar...!!

Sim, claro... pensas que é só pedir?!? Eu não sou nenhum génio da lâmpada magica... não concedo desejos em troca de coisa alguma... tens que me dizer o que estás disposto a fazer para obteres o teu desejo... mas não é por mim que o fazes ou tens que fazer... é por TI... por TI PRÓPRIO?!?

Por mim?!? Tu não estas bem... de certeza!! O que é que eu posso fazer por mim que sirva de moeda de troca para tu me concederes os meus desejos... não faz sentido!!!

Olha... vou dar-te uma ajuda... existem 3 formas de me ver e de me interpretar:

- para os fracos, eu sou algo inatingível;
- para os temerosos, eu sou totalmente desconhecido;
- mas para os corajosos, eu sou a oportunidade...

Agora pensa... e escolhe... a qual destes grupos queres pertencer... não precisas de me dar resposta... assim que tiveres feito a tua escolha... EU... saberei...

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Viagem Adiada



Acordou há hora de sempre, mas mais cansado que nunca... parecia até que não se tinha chegado a deitar... a noite tinha sido dura... a roupa suada assim o mostrava apesar de nada se lembrar. Arrastou-se pela casa vagarosamente como um plano de um filme de Manoel de Oliveira e a muito custo preparou-se para sair.
Tinha uma viagem para fazer, mas desde o dia anterior parecia sentir que não era o dia certo para a fazer... algo lhe dizia isso. No entanto, lá foi, seguindo o seu caminho em direcção à estação e tudo parecia correr com normalidade...

Chegou à estação, mas apesar de não ser para ele um local desconhecido, parece que estava diferente, mudado, algo se passava... estava tudo incrivelmente calmo, calmo demais... entrou pela porta principal e reparou na bilheteira... estava vazia... ninguém... como iria ele comprar bilhete?!? Rondou todo o átrio à procura de alguém que lhe explicasse o que fazer... mas nada! Nem um simples papel ou cartaz anunciava qualquer indicação... estava tudo perfeito, limpo, arrumado, mas vazio... vazio de tudo... de pessoas, de ruídos, de gestos... parecia uma estação “fantasma”...

Olhou em volta e reparou nos únicos Seres que pareciam lembrar que o mundo não havia parado... pássaros percorriam o chão lá fora saltitando em busca de uma migalha que lhes compusesse o estômago.

Bateu a uma porta... demorada e arrastadamente ouviu um som de alguém que parecia aproximar-se... aguardou... era mesmo... afinal estava alguém... era um segurança com ar ensonado... e perguntou-lhe o que se passava... não soube responder... encolheu os ombros e sorriu como quem não entendeu uma única palavra daquilo que ele tinha dito... repetiu, voltando a dizer que precisava apanhar o comboio em direcção a Lindstrom e queria saber a linha e como fazer para comprar bilhete... voltou a sorrir, falando num dialecto desconhecido e encolhendo novamente os ombros... e agora?! – Pensou... – Como vou fazer?!

Decidiu aguardar por alguns momentos, pegou no telemóvel e ligou para a sua esposa a contar o sucedido, talvez ela soubesse de alguma coisa ou o pudesse ajudar... olhou novamente em volta e até o segurança tinha desaparecido... procurou por ele novamente junto à salinha de onde o vira sair momentos antes, mas nada! Também ele tinha sumido... não sabia o que fazer... talvez se aguardasse um pouco mais, talvez passasse alguém que lhe explicasse o que se estava a passar... mas nada...

Saiu pela porta e voltou a olhar em volta, para os pisos superiores, podia ser que detectasse neles algum movimento... mas o resultado foi exactamente o mesmo... nulo... parecia estar numa daquelas cidades fantasma do “velho oeste” pois o único barulho que se ouvia era o do vento quente...

Desistiu... não tinha como saber o que se estava a passar... voltou para casa na esperança que amanhã a estação, por “artes mágicas” volte ao normal e ele possa seguir finalmente viagem...