quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Desabafos ou De como dar a volta a um blogue temático quando não conseguimos produzir texto

*Foto daqui

Há dias em que sinto não ter mais forças.
Em que me sinto demasiado exausta sequer para respirar.
Em que tudo dói.
Há dias em que não apetece mais lutar.
Em que desejo cair num sono longo e profundo.
Parar de chorar.
Parar de sentir.
Parar de pensar.
Hoje é um desses dias.
Demasiado exausta física, psicológica e emocionalmente.
O trabalho tem sido intenso e acumula-se.
Os papéis para preencher, os textos para redigir, as fichas para elaborar
amontoam-se.
E as pessoas...
... continuo sem entender as pessoas,
os seus jogos, a falsidade,
a crueldade, a mentira,
a hipocrisia, a maldade...
Continuo a interrogar-me
e as questões que me ecoam na mente
ferem de gritantes,
cortam no silêncio das respostas.
Há dias em que a solidão dói ainda mais.
Em que sinto por demasia a falta de alguém em casa para me receber,
para me abraçar, para me beijar os olhos cansados...
Há dias em que parece que um comboio me passou por cima...
Hoje é um desses dias...

domingo, 5 de outubro de 2008

Reflexões (2)

*Foto por autor desconhecido

Aqui vai mais um artigo pessoal. Aviso já de início, para depois não haver reclamações. Vai em tom de reflexão pois ando sem imaginação para escrever histórias fictícias e ultimamente preocupa-me mais a minha capacidade de conviver com a (minha) realidade.

No outro dia, apanhei o comboio para o meu local de trabalho, como faço quase todos os dias. E digo “quase” porque gosto demasiado de conduzir para ir de comboio todos os dias para onde quer que seja. Preciso do meu carro e da liberdade que este me dá. Mas voltando ao princípio, apanhei o comboio para o meu local de trabalho e senti-me observada durante bastante tempo. Quando chegou a minha saída, deixei o comboio e, assim que coloquei os pés na plataforma e dei dois passos naquela estação de destino, uma jovem abordou-me e perguntou-me:

- Desculpe. A senhora não é de Santarém?

Para já achei estranho alguém me tratar por senhora, com esta cara de miúda que tenho. Depois olhei para a jovem e achei aquilo bastante estranho.

- Sou.
- Não me está a conhecer?

Levei alguns segundos para responder, de tão estranho que aquilo me pareceu, de encontrar ali aquela rapariga. Foi assim que duas jovens de lugares de origem tão distantes quanto Santarém e Lousã, que não se viam há anos, se vieram a encontrar na estação ferroviária de Rio de Mouro!

Isto fez-me pensar como o mundo às vezes é tão pequeno e de tão grande dimensão outras tantas. A verdade é que encontro e me cruzo com as mais variadas pessoas em lugares inimagináveis, principalmente com quem não me quero ou não devo cruzar (embora não seja o caso desta rapariga). Porém, as pessoas que mais marcaram as nossas vidas ou que mais falta fazem nas nossas vidas, essas saiem na sua estação e não mais as tornamos a encontrar num qualquer comboio onde viajemos. Tenho pena disso... há gente que me faz muita falta...

Hoje sinto-me nostálgica...

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Nota Editorial

A pedido do nosso ex-colaborador "Sudex",
todos os seus artigos foram retirados e eliminados.

Pequenas reflexões (na falta de tempo, vontade e inspiração para escrever “a sério”)

*Foto por Paulo Pontinha




Iniciei este blogue temático, intitulando-o “A ver passar comboios…”, não propriamente pelo prazer ou fascínio em torno deste meio de transporte mas pelo aforismo e correspondente significado. Na verdade, é uma metáfora a que ao longo da minha vida recorri não raras vezes. A estação da vida é uma soma de chegadas e partidas. A frase e a ideia não serão da minha autoria pois já as ouvi repetidas vezes nos mais variados meios, mas traduz muito bem aquilo que penso.

Porém, a minha vida pessoal e profissional tem-me obrigado nos últimos tempos a fazer uso deste meio de transporte, no meu dia-a-dia (sobretudo por razões económicas). Tenho até procurado casa junto a estações – por razões práticas de agenda.

Com isto descobri um imenso prazer em andar de comboio e desenvolvi um fascínio por estações. Gosto do comodismo, gosto de ver a paisagem lá fora, as pessoas a caminhar, os carros parados em filas de trânsito. Gosto de ver a paisagem a ficar para trás e imaginar que é o passado que passa por mim até não mais o conseguir alcançar. Gosto das estações de comboio, do movimento agitado das pessoas que me faz repensar a vida e querer abrandar, das despedidas carinhosas, das despedidas necessárias e dos calorosos reencontros. Gosto das malas de viagem que me lembram outras chegadas e partidas em momentos sempre felizes da minha vida. Gosto da Estação de Roma-Areeiro porque lá muito perto construí um lar, mesmo que por um muito breve período de tempo, que tive muita tristeza em abandonar. E gosto da bonita e renovada Estação do Rossio, com um ambiente e arquitectura absolutamente romântico e europeu, com os seus candeeiros de pé alto.


Não quero ficar a ver passar comboios. Cansei de ver outros passageiros tomar o meu lugar. Quero apanhar o comboio do hoje e agora.



domingo, 7 de setembro de 2008

Linhas Férreas de Desilusão

*Foto por Inácio Silva



«'O ser humano é um ser perturbável'


Que fizemos nós, humanos entre humanos, que deuses criamos e derrubamos? Vês os calos que preenchem tuas mãos fazendo traços sobre traços? Não são linhas de destino são linhas férreas de desilusão





Texto de Henrik, em PkInstantes

sábado, 6 de setembro de 2008

Lições de Vida em Conversas de Comboio

*Foto por Rui Pinto



Numa das minhas recentes viagens de comboio, em dia de abertura de mais uma festa do Avante, estava eu imersa na leitura de África Minha quando dei por mim a ouvir a conversa que vos vou relatar, entre duas mulheres de diferentes gerações. Uma era uma jovem, vinha da Guarda e dirigia-se à festa vermelha; a outra era uma mulher de cinquenta anos que se ia encontrar com a filha na Estação do Oriente. Encontraram-se a meio do caminho e ao olhar a parafernália de mochilas que a jovem trazia, a mais velha resolveu meter conversa com ela e interrogá-la se também não ia para a Festa do Avante, ao que a jovem anuiu. A mais velha contou, então, que tinha reparado nas sua bagagem e se tinha lembrado da filha que também ia para o mesmo sítio e com quem ela se ia encontrar no Oriente pois – imagine-se! – se havia esquecido do bilhete de entrada em casa! Contou que a filha estava nervosa porque estava sozinha e ainda tinha de apanhar uma série de transportes. A jovem de imediato se voluntariou para dar boleia à rapariga no carro de uma amiga que a iria buscar à estação. Com isto a cunplicidade entre estas duas mulheres foi imediata e daqui partiram para outras reflexões sobre a vida e começaram a fazer confidências pois toda a história de vida traz uma lição.

- Há males que vêm por bem.
- Pois é, vê? Estava destinado ela esquecer-se do bilhete em casa. Isto nós é que somos muito negativos e, quando algo de mau nos acontece, a carga negativa é tão forte que não conseguimos ver mais nada. Mas por trás de algo mau também vem sempre algo bom, outra saída.


Não sei como mas a partir daqui a jovem desabafa que o (ex)namorado tinha rompido com ela e que ainda estava a sofrer muito com isso. Despertei! Pensei: «mais uma...». Quando a mais velha nos deu uma lição de vida:

- Eu estive casada mais de vinte anos e um dia o meu marido resolveu que não queria continuar comigo. Sofri muito e ainda sofro mas não há um só dia em que não sorria porque é assim que se vence. Fiquei tesa. Ele tem muito dinheiro, mas não tem mais nada! E não somos nós que perdemos. Eu tenho pena é deles, deles que nos perderam. Eles é que são tristes por nos terem perdido. (...)


É curioso como eu sempre pensei assim em relação a quem perdi. Sempre soube que eu é que estava a perder. Mas nunca tinha pensado o mesmo em situação contrária...
E a mais velha continuou:


- Vou-lhe contar uma coisa que muitos acham estranha. Eu chamo-me Ana Rita. Antes de me divorciar era conhecida como Ana. Quando me divorciei e conhecia alguém novo e me perguntavam o nome dizia que era a Rita. Foi como arranjar uma nova identidade. Eu precisava de mudar, de começar do princípio. E resultou. Foi como se fosse uma nova mulher.


Boa tarde, o meu nome é Ângela Margarida e hoje sou apenas Margarida.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Dos Novos e (In)Esperados Caminhos da Infelicidade

*Foto por Paulo Santos




Escrevia eu há uns meses (não muitos... aliás, demasiado recente):





"Toda a vida fui decidida mas agora... tenho medo... E se a meio do caminho o comboio pára novamente para me expulsarem de lá? E se não chego ao meu destino?"





Pois...

terça-feira, 22 de julho de 2008

Esboço de um Conto de Fadas Mal Contado

*Foto do blog: segredoscontados.nireblog.com



Era uma vez uma linda princesa... bem, não era de sangue azul e a monarquia há muito estava extinta; também não era propriamente bonita, não era alta, loura, de olhos azuis e de medidas 86-60-86 - era pequenina, frágil, cabelos acobreados e olhos de azeitona. Mas queria sentir-se como uma princesa dos contos de fada que ouvia em criança e que a faziam sonhar com castelos e príncipes encantados de armadura reluzente, montados em lindos corcéis brancos. Queria viver um final feliz para sempre.



Mas a jovem-mulher-que-não-era-princesa não vislumbrava castelos, somente fortalezas. Encontrava-se rodeada por prédios degradados e sem dinheiro para a renda. Não tinha aias a quem suspirar os seus desamores. Convivia com bruxas más que se intrometiam na sua vida pessoal e lhe quebravam as forças.



Afinal, talvez esta jovem mulher que sonhara em ser princesa fosse a gata borralheira, uma vez que passava os dias a limpar a casa e a passar a roupa. Nesse caso, tornar-se-ia Cinderela assim que achasse o seu sapatinho de cristal. No entanto, as sapatarias não tinham o número 34 para adulto.



Pensou, então, em cair num sono profundo, qual Bela Adormecida, esperando despertar com o beijo do amor verdadeiro. Assim, fechou as cortinas e tomou uma série de ansiolíticos e calmantes. Mesmo assim, despertou com uma voz bem grossa e assertiva - o patrão que gritava: «Não há nada que se coma nesta casa!!»



A jovem mulher aspirante a princesa suspirou e lentamente caía em desalento. O príncipe encantado transformara-se num ogre, de olhos raiados de sangue, voz grossa e assustadora e o sapo beijado mas recusado devido à pele esverdeada e toque viscoso transformara-se em príncipe depois de ela o ter mandado embora e vivia feliz para sempre com uma princesa que se transformara em rã.



Esperava ainda o corcel branco, veículo de fuga para um mundo de fantasia, onde ela pudesse encontrar uma torre onde se fechasse em clausura, qual Rapunzel, e onde vivesse o resto dos seus dias olhando o horizonte. Encontrou o seu corcel. Não era branco nem relinchava, nem tinha uma sedosa crina que pudesse afagar. Era um monstro cinzento de metal que fazia um barulho estrondoso e andava sobre carris. Entrou na locomotiva e expulsou o condutor. Fechou as portas, puxou a alavanca e partiu a todo o vapor, descarrilando o comboio apenas alguns metros à frente. Partira, finalmente, para o paraíso dos seus sonhos.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Dos Novos mas Esperados Caminhos e o Medo da Felicidade


*Foto por Daniel Oliveira


A maioria das pessoas não consegue ser feliz por ter demasiado medo de se entregar. Quando algo de bom surge nas suas vidas, recuam e fecham-se, com medo de se desiludirem e magoarem. Muitas das vezes recusa-se a felicidade de um dia com medo de já não a terem no dia seguinte. De facto, é muito mais fácil habituarmo-nos à dor e às lágrimas, à infelicidade e ao sentimento de que “algo não está bem”, “detesto a minha vida”, “estou farta disto tudo”. Já em relação à felicidade... nunca nos habituamos a ela. Queremos sempre mais. Gostaríamos que fosse eterna e é tão preciosa que temos imenso medo que nos abandone pois, nessa altura, sabemos o quanto nos vai doer a perda e a ausência.
Assim ando eu com os meus comboios. Tenho perdido tantos comboios que, agora que este Alfa parou violenta e repentinamente à minha frente, isto me assusta. Vejo as pessoas dentro das carruagens desorientadas e despenteadas pela travagem brusca. Compõem as roupas e olham em redor intrigadas com a paragem. Fixam os olhares em mim, única pessoa que se encontra ali de fora, na linha 1, esperando... A porta da carruagem está mesmo à minha frente, aberta, convidando-me a entrar. Confesso que há muito que espero aquele comboio mas, de tanto o ter perdido ou este ter fugido de mim, agora apanhou-me de surpresa e não sei o que fazer. Até porque não era suposto ele fazer esta paragem! Não ali, não hoje! Não admira que as pessoas estejam desorientadas!! Seguro o corrimão da porta de acesso, preparando-me para subir, alço a perna e pouso o pé no degrau mas... estaco! Paralisei! Não sei o que fazer! Toda a vida fui decidida mas agora... tenho medo... E se a meio do caminho o comboio pára novamente para me expulsarem de lá? E se não chego ao meu destino? Mas... espera... para onde vai este comboio?! Subo as escadas com firmeza e pergunto. Respondem-me que cada qual tem o seu destino e ninguém sabe ao certo para onde vai... só sabem que é tempo de seguir.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Dia Mundial da Poesia



*Foto por Nuno Inácio





Para onde vai essa mulher, a arrastar-se no passeio, agora que já é quase noite, com a almotolia na mão? Aproximai-vos: não nos vê.

Não sei o que é mais cinzento,

se o aço frio dos seus olhos,

se o cinzento debotado desse xaile

com que envolve o pescoço e a cabeça, ou se a paisagem desolada da sua alma.

Vai devagar, arrastando os pés, gastando as solas e gastando as lajes,



mas levada

per um terror

obscuro,

por uma vontadede evitar algo horrível.

Sim, estamos enganados.

Esta mulher não avança no passeio

desta cidade,

esta mulher vai por um campo hirto,

entre valas abertas, valas antigas e recentes,

e tristes montões

de humana dimensão, de terra removida,

de terra

que já não cabe na cova de onde se tirou,

entre abismais poços sombrios,

e turvas furnas súbitas,

cheias de barro e água lodosa e sudários andrajosas da cor do desespero.

Oh, sim, conheço-a.

Esta mulher conheço-a: veio num comboio,

num comboio extensíssimo;

viajou durante muitos dias

e durante muitas noites:

umas vezes nevava e estava muito frio,

outras vezes brilhava o sol e o vento sacudia

arbustos juvenisnos campos onde incessantemente estalam estranhas flores acesas.

rela viajou, viajou sempre,

enjoada pelo ruído das conversas,

pelos solavancos das rodas

e pelo fumo, pelo odor a nicotina rançosa.

Oh!:noites e dias, dias e noites, noites e dias, dias e noites,

e muitos, muitos dias,

e muitas, muitas noites.

Mas o horrível comboio foi parando

em tantas estações diferentes,



que ela não sabe ao certo nem como se chamavam, nem os lugares,

nem as épocas.

Ela

recorda apenas

que em todas era frio,

em todas era escuro,

e que ao partir, ao arrancar o comboio,

sempre compreendeu

como é brutal a investida da injustiça absoluta,

sentiu sempre

uma tristeza que era como uma centopeia monstruosa suspensa da sua face, como se com o arrancar do comboio lhe arrancassem a alma,

como se com o arrancar do comboio lhe arrancassem inumeráveis margaridas,

brancas como a sua alegria infantil na festa da aldeia, como se lhe arrancassem os dias azuis, o gozo de amar a Deus e essa von[tade de minutos em sucessão a que chamamos viver. Mas as lúgubres estações afastavam-se,

e ela assomava frenética às janelas,

gritando e retorcendo-se,



para ver afastar-se na infinita planície

isso, uma estação solitária,

um lugar

assinalado nas três dimensões do grande espaço cósmico

por uma cruz

sob as estrelas.

E adormoceu por fim.

sim, dormitou na sombra,

embalada por um fundo de longínquas conversas,

por gritos sufocados e risos embaciados,

como de gente que falasse através de mantas muito espessas,

apenas rasgadas de repente

por choros de crianças que acordam molhadas a meio da noite,

ou por cortantes guinchos de raparigas a quem nos túneis beliscam as nádegas, ... enjoada ainda pelo fumo do tabaco.

E viajou noites e dias, sim, muitos dias,

e muitas noites.



Parando sempre em estações diferentes,

sempre com uma ânsia turva de descer também, de ficar ela também, ai,

para sempre partir de novo com a alma lacerada,

para sempre dormitar de novo em trajectos infindáveis.... Não soube nunca como.

E seu sono era cada mais profundo,

iam cessando,

quase tinham cessado por fim os ruídos à sua volta:

só por vezes um riso como um punhal que brilha um instante nas sombras, um guincho como um limão acre que põe a noite amarela um momento.

E depois nada.

Só a velocidade,

só os solavancos de madeiras e ferro

do comboio,

só o ruído do comboio.

E esta mulher acordou na noite,

e estava só,

e olhou à sua volta,

e estava só,

e começou a correr pelos corredores do comboio,

de um vagão para outro,

e estava só,

e procurou o revisor, os serventes do comboio,

qualquer empregado,

algum mendigo que viajasse oculto sob um banco,

e estava só,

e gritou na escuridão,

e estava só,

e perguntou na escuridão

e estava só,

e perguntou quem conduzia,

quem movia aquele horrível comboio.

E ninguém lhe respondeu,

porque estava só,

porque estava só.

E continuou dias e dias,

louca, frenética,



no enorme comboio vazio, onde não vai ninguém, que ninguém conduz.... E essa é a terrível,

a estúpida força sem pupilas,

que ainda faz que essa mulher

avance, avance no passeio,

gastando a sola dos velhos sapatorros,

gastando as lajes,

entre valas abertas de um e outro lado,

entre montões de terra,

de dois metros de comprido,

com o tamanho exacto

da nossa ternura de corpos humanos.

Ah, por isso essa mulher avança (na mão, como o atributo de uma semideusa, [a almotolia), abrindo com amor o ar, abrindo-o com excelsa delicadeza,

como se caminhasse sulcando um trigal onde o grão está a formar-se,

sim, como se fosse sulcando um mar de cruzes, ou um bosque de cruzes,

[ou uma nebulosa de cruzes de cruzes próximas,

de cruzes distantes.

Ela,neste crepúsculo cada vez mais sombrio,

inclina-se,

vai curvada como um ponto de interrogação,

com a espinha dorsal arqueada

sobre o solo.

Espreita pelo caixilho do seu próprio corpo de madeira, como se espreitasse pela janela

de um comboio,

ao ver afastar-se a estação anónima

em que devia ter ficado?

Será que lhe pesam, que se suspendem do seu cérebro suas lembranças de terra em putrefacção,

e se lhe esticam tensos cabos invisíveis

desde suas sepulturas dispersas?

Ou como essas amendoeiras

que no verão estiveram carregadas de demasiados frutos, conserva ainda no inverno o tenro viço,



guarda ainda o doce ramo tombado

pela carga e pela companhia,

em seus tristes ramos nus, onde já nem pousam os pássaros?



Dámaso Alonso

Tenho a dizer...

*Foto por António Amen


Tenho a dizer que quero apanhar um comboio para um lugar onde não haja Páscoa. Detesto a ideia da morte (celebração da Morte... bah!), detesto amêndoas e detesto ovos de chocolate. Quero mesmo é viajar, se para outra dimensão tanto melhor. Quero um comboio com muitas carruagens e vazio. Todo só para mim. Quero um lugar à janela, por onde possa olhar o verde das árvores e o azul do céu; por onde possa olhar as estrelas e o prateado da lua. Tenho a dizer! Está dito!

quinta-feira, 13 de março de 2008


*Foto gentilmente enviada por Leonor Branco
E se te oferecessem um bilhete de comboio para Macau...
... o que fazias?

Matei-te!

*Foto por Álvaro Duarte






Hoje quis matar-te. Agarrei em ti à força. Parte de ti bateu-me na cara. Merda para esta ventania que me impede de caminhar! Afinal tinha mais força do que pensava e consegui arrastar-te e trazer-te comigo. Aqui do alto vê-se a linha bem lá em baixo. Vou deixar-te cair quando o comboio passar. Vai estraçalhar-te, esborrachar-te, partir-te em pedaços, matar-te e fazer-te desaparecer da minha vida para sempre. Ai vem ele! Com o barulho do comboio não consegui ouvir-te agonizar mas quando olhei já havias desaparecido para sempre... meu ODIOSO BAÚ DE MEMÓRIAS!

quarta-feira, 12 de março de 2008


*Foto por Miguel Lopes



Gostava de poder passar com um comboio por cima de algumas memórias...

terça-feira, 11 de março de 2008

Where to...?


*Foto gentilmente enviada por Leonor Branco
Vou apanhar o comboio...
Para onde?
Coimbra?
Aveiro?
Porto?
Coimbra...
Figueira da Foz.
Fugir.
Dor.
Pequenina.
Revolta.
Mágoa.
Ódio!
Dor.
Angústia.
Fugir...
Desaparecer.
Pequenina.
Fugir... Apanhar o Comboio.
Mas para onde?

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Quase QUASE Quase



*Foto por Loungerie (Flickr)




Se eu hoje traduzir 17 páginas...







... oferecem-me um bilhete de comboio?????







Pode ser para Bora Bora... eu depois faço o transfer de barco.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Viagens da Mente, ou Da Loucura


* Foto: autor desconhecido





Viajar. Quero viajar. Fugir.

"A Estação do Rossio reabre amanhã."

Rossio... Que bonito... Queria viajar. Queria apanhar o comboio. Rumar a Sintra outra vez. Quero verde. Estou farta destas quatro paredes... Branco. Paredes. Vazio. Prisão. Escuro. Silêncio. Doí-me a cabeça. Estou mal disposta. Cansada.

"Concerto de Maria João e Mário Laginha"

Música. Quero fugir. Viajar. Parar. Estou mal disposta. Cansada. Quero parar. Descansar. Dormir. Sair. Fugir. Viajar. Apanhar o comboio.

"Não se esqueça que o prazo termina dia 20"

Paredes. Paredes. Paredes. Oprimida. Angustiada. Sufocada. Exausta. Revoltada. Fugir. Apanhar o comboio.

"the garden from the Calouste Gulbenkian Foundation provide the Lisbon citizens a meeting with themselves (...) ; ...shelter and ... openness ... of the gardens at the cloisters of Alcobaça or of the Jerónimos...?!; the space of opening in chaos, at the lawn of Seteais...?!; and those, at the same place, that throw us over the horizon, starting a conversation with the infinite...?!;"

Jardins. Jardins. Jardins. QUATRO PAREDES E AS TREVAS ali fora, à janela... Jardins! Quero apanhar o comboio, sentar-me à janela, olhar os campos por aí fora e ver os nossos JARDINS!

"aquele em que o Objecto se subjectiva sem deixar nenhum resíduo de morta coisalidade, enquanto o Sujeito se reconhece, por seu turno no Objecto e nele se compenetra, constituindo-se como espírito inteiramente objectivado na presença sensível do Objecto."

Que estás tu a dizer, pá?! Jardins... Quero apanhar o comboio... 4 paredes... dói-me a cabeça... cansada... tenho de trabalhar...

sábado, 2 de fevereiro de 2008

A BUSCA... Parte II




Num repente... e sem que nada o fizesse prever... aquele homem voltou a entrar na carruagem numero 4 gritando e esbracejando mais que nunca, mas desta vez sendo seguido por diversos revisores e outros elementos do Staff da companhia... a calmaria deu de novo lugar ao tumulto... todos os passageiros comentavam agora em viva voz o que se passava e se questionavam mutuamente. Já havia quem sugerisse que apanhassem o homem e o retirassem dali... que chamassem a policia, os bombeiros, alguém...
A agitação era geral... já havia um amontoado de pessoas na plataforma que se digladiavam para chegarem a um lugar mais próximo de onde pudessem assistir à acção mais de perto...

AH AH!! ACHEI-TE!! EU SABIA... PENSAVAS QUE ME ESCAPAVAS NÃO ERA?! – Ouviu-se ao fundo, na divisória entre as carruagens... e o “suspense” tomou conta de todos...

To be continued...

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

A BUSCA... Parte I


Foto por : vaZectomia


Entrou notoriamente enraivecido no comboio... olhou em volta como quem faz um SCAN ao mais ínfimo detalhe a tudo e a todos... gritou algo que ninguém pareceu entender... e continuou a sua busca... passou a pente fino toda a carruagem olhando para todos os passageiros com um ar aterrador. Os passageiros esses, agarrados aos seus lugares... apenas olhavam por cima dos encostos à sua frente... num misto entre o esconder-se e o de tentar perceber o que se estava a passar... quem era aquele homem?! O que procurava?! E porque olhava para todos como se fossem os maiores suspeitos de algo que ninguém sabia o quê?!

Voltou a gritar!! – ONDE ESTÁS??? – desta vez perfeitamente audível por todos... e assim continuou... gritando, murmurando e explorando cada centímetro das carruagens daquele comboio... – Pensas que me escapas, é?! Não... Não escapas!! Vou encontrar-te!! E vais ver o que te vai acontecer!! – continuava a gritar à medida que continuava a sua busca sôfrega e agitadora...

Deve ser maluquinho... – sussurravam duas velhotas ao fundo da carruagem...

De repente... fez-se um silencio sepulcral... uma acalmia repentina tomou conta do comboio... como se aquele homem se tivesse evaporado... os passageiros continuavam a olhar uns para os outros e pelas janelas na tentativa de saber o que se passava... alguns, mais curiosos, levantavam-se e caminhavam até à porta, espreitando lá para fora... mas NADA... voltavam aos seus lugares de caras interrogativas e sem nada para contar...

Quem seria aquele homem e quem procurava?! Era a dúvida que acercava o pensamento de todos...

To be continued...

domingo, 27 de janeiro de 2008

Fugas


*Foto por Expresso do Oriente


Levantara-se às 4h da manhã para apanhar o comboio que a levaria ao aeroporto. Ia regressar a casa naquela madrugada mas não lhe apetecia. O facto de estarmos ausentes de um local (e desse país em geral) traz sempre uma agradável sensação de fuga e consequente alívio. Apesar de todos os problemas estarem sempre presentes na sua mente, a ecoarem frases que a pouco e pouco lhe iam ferindo sentidos, ali, sentia, no branco da neve, a paz que buscava e o vazio; não um vazio que nos traz um sentimento de impotência e de falta de algo, mas um vazio que nos preenche de nada e isso é tudo o que nestas situações buscamos: o nada. Ficarmos cheios de nada quando andamos tão vazios de tudo. Julgara que se ia sentir cansada e sonolenta mas ao chegar à estação sentia-se cheia de energia; contudo, com o peso do mundo às costas. Ao olhar os comboios que chegavam e logo partiam, sentiu cada vez mais vontade de ficar e prolongar aquela sensação de fuga. Era agradável ser uma desconhecida, fazer o que queria. Era agradável a ilusão de que todos os problemas e interrogações tinham ficado em Portugal. Era agradável fingir que não tinha mais inseguranças. Era agradável começar tudo do princípio, renascer. Era isso que ela queria: renascer! Renascer com todos os ensinamentos do passado. Mas começar uma vida nova. Olhou-o e sentiu ternura, a mesma ternura, o mesmo amor que sempre sentira por ele. Não o mesmo... os seus sentimentos eram cada vez mais fortes, intensificavam-se a cada dia que passava, apesar de conseguir controlá-los melhor (ou fingir e iludir-se disso). Já não gritava de cada vez que descobria uma traição ou uma mentira. Já não passava dias e noites a chorar de cada vez que ele a tratava com desprezo. Mas amava-o cada vez mais. Valorizava cada vez mais momentos como aqueles que vivera nos últimos 5 dias, estando com ele a cada minuto, sentindo gestos de ternura cuja frequência naqueles dias era tão rara nos anteriores. Sem se enganar, porém. Sabia bem o que lhe ia na mente. Percebia todos os seus gestos, cada traço do seu comportamento. Nunca se iludira. Gostava, às vezes, de não pensar na verdade – isso, sim. Ele estava tão entranhado nela que não sabia como viver sem ele. A agitação em seu redor acordou-a destes pensamentos. Os passageiros agarravam as suas malas de viagem e aproximavam-se da beira da plataforma. Olhou para trás, para a outra linha. Olhou-o. Aproximou o seu rosto e beijou-o. Docemente. Muito docemente. Olhou-o. Sorriu. O comboio parou à frente deles. Agarrou na mala. Caminhou. Dentro do comboio, ele virou-se para trás à medida que as portas se fechavam. Do lado de lá, na outra linha, ficou a vê-la entrar num outro comboio, que a levaria de regresso à cidade...