terça-feira, 30 de agosto de 2011

Memórias

*Foto por David Gaspar



A foto que ilustra o cabeçalho deste blogue e que vos dá as boas-vindas foi tirada numa das minhas últimas viagens e já lá vai algum tempo. Aquela figura pequenina, de branco, ao fundo, sou eu. Nevava, o dia estava escuro e cinzento, fazia frio, muito frio e, ao sair da estação, afastei-me dele, momentaneamente, para ver a neve cair e observar os comboios que passavam na estação, algures em Berlim. Recordo-me que os nossos fins de tarde começavam cedo, na banheira do hotel, contigo a massajar-me os pés gelados. Recordo-me que o último jantar se passou a planear o próximo comboio a apanhar e que o destino traçado era Florença. Recordo-me de um homem-menino que repetia o nome das paragens de comboio (Hallesches Tor) e de quem me perdia constantemente enquanto analisava os quadros de Rafael ou de Vermeer. Recordo-me do restaurante grego que frequentávamos e dos brindes com uzo. Durante quatro noites e cinco dias fingi(mos) ser feliz(es). Durante quatro noites e cinco dias fingi(mos) que não havia mais ninguém. Durante quatro noites e cinco dias fingi ignorar os momentos em que fugiste do quarto para lhe deixar mensagens de saudade. Depois, quando acabaram as quatro noites e os cinco dias, partimos em comboios diferentes, eu com um vazio no olhar, tu com o olhar cheio. Faz de conta que estes cinco anos de viagem foram só um sonho e eu não cheguei a sair destas quatro paredes onde hoje me encontro.


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Comboios de Vidro

*Foto por Aimee Ketsdever
Eis-me regressada.
Sempre torno.
Tenho despejado garrafas e com elas feito comboios de vidros onde viajo todas as noites de insónia.
Do calendário vou arrancando páginas, num marasmo que me enche os lábios de um sorriso vago mas pretensamente sincero. Esforço-me por ser feliz e satisfaço-me com pouco.
Deixo-me adormecer ao som do cansaço e levanto-me quando o tempo me vence e me obriga a viver com a força de um soco nos olhos. Os olhos... eram roxos, lembras-te? Da cor das rosas de um jardim da minha juventude. E como uma rosa foram abrindo até te obrigares a apanhares-te e colocares-te numa jarra fora de casa. Resolveste deixar as tuas pétalas cairem com a força do vento e colocaste-te num comboiozinho que corre a marginal. Fincaste os pés na areia e mudaste para girassol, deixando-te beijar pelo calor, regando-te com sal. E assim corre a vida... Num comboio lento, vagoroso...
Faço das rodelas do limão que me enche o copo as rodinhas do meu vagão...