domingo, 5 de outubro de 2008

Reflexões (2)

*Foto por autor desconhecido

Aqui vai mais um artigo pessoal. Aviso já de início, para depois não haver reclamações. Vai em tom de reflexão pois ando sem imaginação para escrever histórias fictícias e ultimamente preocupa-me mais a minha capacidade de conviver com a (minha) realidade.

No outro dia, apanhei o comboio para o meu local de trabalho, como faço quase todos os dias. E digo “quase” porque gosto demasiado de conduzir para ir de comboio todos os dias para onde quer que seja. Preciso do meu carro e da liberdade que este me dá. Mas voltando ao princípio, apanhei o comboio para o meu local de trabalho e senti-me observada durante bastante tempo. Quando chegou a minha saída, deixei o comboio e, assim que coloquei os pés na plataforma e dei dois passos naquela estação de destino, uma jovem abordou-me e perguntou-me:

- Desculpe. A senhora não é de Santarém?

Para já achei estranho alguém me tratar por senhora, com esta cara de miúda que tenho. Depois olhei para a jovem e achei aquilo bastante estranho.

- Sou.
- Não me está a conhecer?

Levei alguns segundos para responder, de tão estranho que aquilo me pareceu, de encontrar ali aquela rapariga. Foi assim que duas jovens de lugares de origem tão distantes quanto Santarém e Lousã, que não se viam há anos, se vieram a encontrar na estação ferroviária de Rio de Mouro!

Isto fez-me pensar como o mundo às vezes é tão pequeno e de tão grande dimensão outras tantas. A verdade é que encontro e me cruzo com as mais variadas pessoas em lugares inimagináveis, principalmente com quem não me quero ou não devo cruzar (embora não seja o caso desta rapariga). Porém, as pessoas que mais marcaram as nossas vidas ou que mais falta fazem nas nossas vidas, essas saiem na sua estação e não mais as tornamos a encontrar num qualquer comboio onde viajemos. Tenho pena disso... há gente que me faz muita falta...

Hoje sinto-me nostálgica...

24 comentários:

Henrik disse...

O que é curioso é que quando não precisarmos de ver essas pessoas acabamos por vê-las...Ah, as saudades...esse sentimento que nos envolve tanto...

Anónimo disse...

Acho que vou sempre precisar de ver as pessoas de quem falo.
São poucos aqueles a quem chamo de "amigos" e preciso de os ver sempre. Revejo-os na minha memória quase todos os dias. Alguns continuam a fazer-me muita falta. Como te disse num comentário, o meu "cabeção" faz-me muita falta por me fazer rir das minhas pequenas misérias. Não esqueço que nos ríamos de comer todos os dias esparguete com atum, por ser o + barato. Ou de quando comemos batatas com carne, já que o dinheiro para a carne era quase nenhum. Faz-me falta este meu amigo... Lá está o (meu) egoísmo a funcionar...

Henrik disse...

O egoísmo é essencial para a sobrevivência...

Soul, Heart, Mind disse...

às vezes devia ser + egoísta e menos altruísta. mas também estou um bocadinho cansada de sobreviver. falta-me VIVER

Zé Camões disse...

É engraçado, por vezes temos saudades de um tempo em que saudades não tinhamos.
A sua história é mais uma, a mim aconetece-me isso vulgarmente, como diz o povo com razão "o mundo é pequeno".
Cumprimentos.
P.S - passe no meu espaço.

Soul, Heart, Mind disse...

Zé,
não tenho saudaes daqueles tempos mas dos meus amigos... do meu amigo, que lá ficou, tão só como eu estava na altura.

Anónimo disse...

Tinha lido este teu texto,e voltei-o ler. Sinto falta das tuas palavras. Acho que o tempo anda a passar demasiado rápido de novo. Não dou por ele passar, perdoa-me as ausências como sempre. Dá-me noticias.

Abraço P.

Henrik disse...

Não acredito no altruísmo. Passo a explicar: o altruísmo é essencialmente o despojamento ou abnegação de si próprio em abono de outro. Porém, nem o mais Gandhi ou Buda dos seres humanos se despoja totalmente de si mesmo. Enquanto houver corpo há um resquício de si mesmo que não pode, por impossibilidade orgânica, ser outrem. O altruísmo é quanto a mim, julgo que Nietzsche aqui acertou em pleno, um egoísmo virado para o exterior mantendo sempre o seu próprio prazer debaixo de olhar. Ou não haverá uma ponta de prazer em servir os outros em alguma necessidade? Uma certa e abscôndita vontade de sentir esse prazer? =-]

Soul, Heart, Mind disse...

E eu não acredito no "absolutismo" ou no "extremismo" dos conceitos. Fizeste-me lembrar o erro de 99% das pessoas que se refere a um abstémio como alguém que simplesmente se abstém de consumir alcóol, quando, na verdade, um abstémio é, in latu senso, alguém se abstém tanto de alcóol como de sexo: versão resumida alguém que se abstém de prazeres.

Portanto, eu acredito no altruísmo. Todavia, não acredito no completo aniquilamento de uma pessoa, da sua identidade e das suas vontades.

Por último, acredito piamente que se pode retirar prazer no acto de dar prazer ao outro e isso, admito, pode, de certa forma, ser considerado egoísmo.

P.S.: Já te vou ler.

Soul, Heart, Mind disse...

Pierre,
tb me tem faltado tempo e criatividade, inspiração ou mesmo vontade de escrever.
Temos faltado um ao outro nas palavras.
Beijinhos

Henrik disse...

Bom, não gosto muito de entrar por estes caminhos do 'Olhe que não é bem assim' mas olha que não é bem assim, lol. vamos lá a ver se nos entendemos como dois seres capazes de diálogo: Também tive latim e abstémio significa à letra 'o que se abstém', não refere 'a quê' ou 'sobre o quê'. Em linguística isso é o que se chama ambiguidade semântica (em lógica - a cadeira de filosofia- também). Em rigor, abstémio e altruísmo não são equivalentes semânticos. Para não haver mal-entendidos: a título de exemplo não são equivalentes. Não há ambiguidade semântica em altruísmo (a palavra) embora várias pessoas assumam como tal (não me refiro a ti!) altruísmo é derivado também do latim, mais propriamente de Alter que significa outro. Agora objectar-se-ia «então mas se significa literalmente o outro não está a dar razão à E.O.»? Mas, que bela objecção! Aqui entra sim a ambiguidade filosófica. mas não em meu proveito e também não em proveito da noção comum de altruísmo. O altruísmo bíblico presume uma certa negação do eu partindo do 'eu' para um 'todo' geralmente considerado Deus. Acontece que, o eu, como asceta, tem consciência de que só se pode negar não se negando em si mesmo mas, e aqui é uma subtileza muito perigosa, embarcando nesse todo que é Deus...

Henrik disse...

Onde é que está a subtileza? Não se nega o 'eu'. Acrescenta-se ao 'ego' um 'alter' mas esse 'alter' é peculiar: é uma totalidade que tudo inclui. Ora bem, tenho a impressão que não me estou a fazer esclarecer...Não há uma negação do egoísmo há é uma acentuação da necessidade [moral] de usar esse egoísmo [i.e., esse sentir para e só para dentro] também em prol dos outros. Nessa medida não se está a negar o egoísmo. Mas antes a fazer notar que o egoísmo e o altruísmo não se opõem sequer pois fazem parte de um mesmo plano. O Budismo tem consciência disso quando concentra todas as suas energias em libertar-se do 'ego' do mundo e das suas consequências. Porém, há um espinho nessa rosa. Todo o acto que reverte em prol de outrem é revertido do autor, ou seja, o autor, ainda que inadvertidamente, beneficia também do acto que produz. E como é que isso se processa? É ele o agente da acção. Mas, isto é bem mais complexo de explicar correctamente...indo directo ao assunto: altruísmo --> Em prol de outro. Correcto. Mas não se trata de absolutismo quando se faz notar que altruísmo, à letra, seria um literal despojamento de si. Tal não acontece. Por isso é que digo que o altruísmo, tal como mo apresentam, não acredito que exista. Implicaria uma negação total de si, algo que apenas Cristo conseguiria, mas as implicações teológicas disso são tremendas e dava pano para mangas e eu já a macei suficientemente, lol.
Beijos.

Henrik disse...

Ainda assim não resisto. Eheheh. A minha tese de licenciatura consistia numa explicação da teologia de Dietrich Bonhoeffer, mais concretamente na sua Ética. Bonhoeffe foi - e ainda é - o mais importante Teólogo do século XX. Porque discerniu várias coisas que não haviam ainda sido bem explicitadas: que a noção de Cristo implica uma verticalidade teológica, traduzindo: que Deus 'coloca-se' no plano do homens através de Cristo, Isto é, Deus 'desce dos céus à terra'. Uma notória descensão, daí a ascensão de Cristo ser tão relevante no cristianismo. Mas, o plano de Cristo não é o do mero humano, ele é divino, é parte de Deus, é ele também Deus, o seu altruísmo não é um altruísmo em que um humano se tenta despojar de si mas um em que o humano se imiscui no divino. O altruísmo cristão só seria totalmente altruísta se Cristo não fosse filho de Deus. Pois Deus não se despoja de si mesmo. seria necessário que Cristo não fosse filho de Deus e ainda assim agisse exactamente como agiu. Aí sim, consideraria de outra forma a noção de altruísmo.

P.S. Perdoe-me um certo pedantismo. Não pretendo ter razão mas antes que me expliquem estas ambiguidades correctamente sem espinhos.
Gosto da sua perspicácia. Só por isso merece mais um beijo.

Anónimo disse...

mas agora tratamo-nos por "você"?...
acho que (+ uma vez) não me fiz entender quando trouxe o termo "abstémio" à baila, pois não queria de modo algum compará-lo a "altruísmo" - pese embora o facto de discordar na questão de ambiguidade semântica, já que considero o segundo bem mais dado a esta, aliás como todos os conceitos filosóficos.
deixo esta discussão ser prolongado, no entanto, outra altura pois já tirei as lentes de contacto e nem imagino os erros ou gralhas que para aqui já devem ir.

deixo-"LHE" também, um beijo. de boa noite.

Henrik disse...

A filosofia não é ambígua, ambíguos são os seres que dela tratam. Há uma tendência para considerar a filosofia ambígua simplesmente porque o seu objecto de estudo não é imóvel ou impassível.
Em termos rigorosamente formais 'abstémio' é mais ambíguo que 'altruísmo'. (Não se trata de teimosia). Abstémio refere-se a tudo o que tem a capacidade de 'se abster' altruísta refere-se àquilo que tem 'disposição para se interessar e dedicar ao próximo'. Ora como se pode ver pelos radicais latinos de ambas as palavras, a primeira tem um sentido mais lato que a segunda, pois a segunda implica a capacidade de se interessar e dedicar ao outro o que sugere [e implica] ou um plano estritamente humano ou um plano onde algum ser racional/emocional consiga aplicar essa capacidade. Em contrapartida, abster-se de algo não restringe o âmbito a que se refere pelo contrário aumenta-o. Quanto às ambiguidades filosóficas são regra geral causadas mais por inépcia do interlocutor (por ex. Eu próprio) do que pela matéria tratada. Desculpa E.O. não queria tratar-te por «você» lapso meu!
Tem uma bela noite!

Anónimo disse...

Já de lentes postas, venho dar continuidade à discussão, tendo como ponto de partida a seguinte declaração de Godel:

"Quanto mais penso na linguagem, mais me espanta que as pessoas se consigam compreender umas às outras"

É, pois, neste sentido que afirmei que os conceitos filosóficos são ambíguos. Têm uma definição que serve de base ou ponto de partida, mas é a subjectividade daqueles que os interpretam e discutem que lhes dão real valor pela diferenciação de opiniões, o que apenas vem enriquecer aqueles conceitos.

É por isso que eu gosto tanto de literatura e das humanísticas. Porque não seguem fórmulas matemáticas, porque 1+1 nem sempre resulta em 2.

Quanto ao "altruísmo" mais uma vez adio resposta porque o meu sobrinho chegou e tenho de aproveitar em duas horas um mês de ausência.

Mas eu volto, eu volto...

Anónimo disse...

Cá estou eu de volta.

Ora continuando do ponto onde fiquei, em que cada ser humano desenvolve e (re)cria um conceito a partir e através do seu juízo e da(s) sua(s) experiência(s) e visão do Mundo, vem o meu uso ou visão de "altruísmo" e a minha contestação à tua visão deste.

Independentemente da base ou origem de "altruísmo", eu, primeiro, não acredito no completo aniquilamento do "eu" (parece-me que tu também não e por isso recusas o altruísmo) e, segundo, também não acredito ou não acho que uma pessoa tem de se anular para se entregar ao outro, para se abnegar, até porque ao dar-se ao outro estará a dar-lhe ainda mais (acho que esta parte está desastrosamente explanada por mim). De qualquer das formas, continuo a achar ou admitir que poderá haver nisto um certo egoísmo, mas, como tu próprio dizes, o ego e o alter não se anulam, completam-se e enriquecem-se.

E, bem, para já acho que é tudo. Ou ainda há espinhos?

P.S.: Nunca me maça(s).
Beijo e bom domingo.

Anónimo disse...

Er... essa do Gödel foi traduzida do inglês para o tuga por um tradutor que cá sei...

E já agora não sabia que a e.o. usava óculos...

Anónimo disse...

Sr. tradutor: lentes de contacto. e sabia, pois!
Podia era vir enriquecer esta discussão. Como tradutor do Gödel e da frase que utilizei como mote, teria muito para dizer. As minhas lentes de contacto são pouco interessantes.
Beijinhos e até logo

Henrik disse...

Ora bem, a questão da linguagem põe-se em todo o lado, inclusive na matemática que é tão apodíctica, a matemática é infalível? certamente. Mas não os seres que a utilizam. No domínio humano, antes até de Godel que estava mais interessado nos problemas de ambiguidade no 'contexto de justificação' lógica dado que o 'contexto de descoberta' cabe à linguagem propriamente dita e por sua vez a psicólogos, psicanalistas, filósofos, escritores, seres humanos em geral, mas como estava a dizer antes de ser rudemente interrompido por mim próprio, antes disse Saint-Éxupery: «Linguagem: fonte de todos os malentendidos» [nada 'infantil' esta afirmação]. Nada disso, lentes de contacto bastante perspicazes...

Henrik disse...

Eu cá julgo, e lá vai o Éxupery de novo, que estamos a falar do mesmo por outras palavras...lol.

Anónimo disse...

pois... é o habitual. mas, se assim não fosse, não teríamos tido esta discussão tão interessante e não tinhamos chegado aos 21 comentários. Acho que foi a única forma deste blogue se mostrar ainda vivo. O problema é que me arrumas a um canto com tanto conhecimento. Eu a armar-me em culta com Gödel... Não se faz ;)

e já agora, ao jeito da rádio comercial:

BOM FIM DE SEMAAAAAAANA (já cheira)

Henrik disse...

Lol, não digas isso até porque mesmo que não se escreva, duvido que não haja leitores assíduos. Os comentários não são o melhor método para verificar a qualidade de um blogue.
Quanto ao saber, o pouco que sei apenas me impele a tentar saber mais - não é nada socrático - apenas uma constatação pessoal.
Bom fim-de-semana para ti também. Beijocas.

Henrik disse...

Mais textos não há? ^.^