domingo, 27 de janeiro de 2008

Fugas


*Foto por Expresso do Oriente


Levantara-se às 4h da manhã para apanhar o comboio que a levaria ao aeroporto. Ia regressar a casa naquela madrugada mas não lhe apetecia. O facto de estarmos ausentes de um local (e desse país em geral) traz sempre uma agradável sensação de fuga e consequente alívio. Apesar de todos os problemas estarem sempre presentes na sua mente, a ecoarem frases que a pouco e pouco lhe iam ferindo sentidos, ali, sentia, no branco da neve, a paz que buscava e o vazio; não um vazio que nos traz um sentimento de impotência e de falta de algo, mas um vazio que nos preenche de nada e isso é tudo o que nestas situações buscamos: o nada. Ficarmos cheios de nada quando andamos tão vazios de tudo. Julgara que se ia sentir cansada e sonolenta mas ao chegar à estação sentia-se cheia de energia; contudo, com o peso do mundo às costas. Ao olhar os comboios que chegavam e logo partiam, sentiu cada vez mais vontade de ficar e prolongar aquela sensação de fuga. Era agradável ser uma desconhecida, fazer o que queria. Era agradável a ilusão de que todos os problemas e interrogações tinham ficado em Portugal. Era agradável fingir que não tinha mais inseguranças. Era agradável começar tudo do princípio, renascer. Era isso que ela queria: renascer! Renascer com todos os ensinamentos do passado. Mas começar uma vida nova. Olhou-o e sentiu ternura, a mesma ternura, o mesmo amor que sempre sentira por ele. Não o mesmo... os seus sentimentos eram cada vez mais fortes, intensificavam-se a cada dia que passava, apesar de conseguir controlá-los melhor (ou fingir e iludir-se disso). Já não gritava de cada vez que descobria uma traição ou uma mentira. Já não passava dias e noites a chorar de cada vez que ele a tratava com desprezo. Mas amava-o cada vez mais. Valorizava cada vez mais momentos como aqueles que vivera nos últimos 5 dias, estando com ele a cada minuto, sentindo gestos de ternura cuja frequência naqueles dias era tão rara nos anteriores. Sem se enganar, porém. Sabia bem o que lhe ia na mente. Percebia todos os seus gestos, cada traço do seu comportamento. Nunca se iludira. Gostava, às vezes, de não pensar na verdade – isso, sim. Ele estava tão entranhado nela que não sabia como viver sem ele. A agitação em seu redor acordou-a destes pensamentos. Os passageiros agarravam as suas malas de viagem e aproximavam-se da beira da plataforma. Olhou para trás, para a outra linha. Olhou-o. Aproximou o seu rosto e beijou-o. Docemente. Muito docemente. Olhou-o. Sorriu. O comboio parou à frente deles. Agarrou na mala. Caminhou. Dentro do comboio, ele virou-se para trás à medida que as portas se fechavam. Do lado de lá, na outra linha, ficou a vê-la entrar num outro comboio, que a levaria de regresso à cidade...

8 comentários:

Expresso Oriente disse...

A foto foi o melhor que consegui fazer com a máquina que tinha (uma máquina de FILMAR), que já por si tira fotos sem grande qualidade, quanto mais à noite!...

O texto... um bocado para o abrunhosa, mas hoje também é o melhor que consigo.
Estou sem corrector ortográfico, por isso se acharem gralhas (bastante provável), por favor, avisem.

Leonor disse...

O texto deixa-nos que pensar sobre muita coisa. Tem o teu toque, isso é verdade. E melhor é que passaste por aqui, não estas desaparecida. um abraço, Leonor

Anónimo disse...

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Expresso Oriente disse...

não sei quem é o anónimo, mas o poema que nos deixou não poderia ter sido melhor escolhido...

leonor, um grande abraço e obrigada pela tua passagem.

Anónimo disse...

Eh pá... isto está MOVIMENTADO ;)

IRR

Anónimo disse...

era hora de pontta ;P
eheheh

E.O.

Nórdico disse...

só para te deixar um beijo de retribuição sócia ...


gostei do texto ... como sempre !

beijo

Leonor disse...

Obrigado pelas palavras :) e sim tenho mais um gato como eu por companhia
Abraço, Leonor