domingo, 17 de junho de 2007

"Apanhar o Comboio": Lusitânia Comboio Hotel



- Foste corajosa. – interrompera-a Ana, ao mesmo tempo que o comboio fazia mais uma paragem. Ainda estavam muito longe do seu destino – Madrid – onde se iam encontrar com a Maria. Já eram quatro da manhã mas nenhuma das duas tinha sono. Há um ano que não se viam e estavam excitadíssimas com este reencontro. Queriam pôr a conversa em dia e contar tudo à outra. – Se fosse eu, não conseguia...
- Pois, sabes como eu sou impulsiva. Faço tudo por impulso, de cabeça quente. A maioria das vezes dou-me mal com isso e não consigo escapar aos tormentos da minha consciência no dia seguinte. – o comboio arrancou bruscamente e aos soluços e as raparigas tiveram de se agarrar aos ferros das camas onde estavam deitadas para não caírem.

Ao longo do caminho conversaram muito, o que ajudou “Beatriz” a não adormecer... Bem, isso e o facto de estar extremamente excitada. Não conhecia aquele homem de lado nenhum e isso tornava tudo muito mais apelativo. Afinal, convivera quase dois anos com um homem a quem conhecia melhor que a sua imagem reflectida no espelho, a quem sabia de cor as virtudes e os defeitos, sendo os últimos bem maiores em número e qualidade, e precisava desesperadamente de conviver com um estranho de quem não soubesse nada, de quem não tivesse tempo para conhecer o que quer que fosse, nem virtudes nem defeitos, por quem não tivesse oportunidade de se apaixonar nem de fantasiar, com quem estivesse apenas o tempo necessário. Entretanto, C. começara a falar-lhe da sua vida pessoal, o que a deixou irritada porque estava a fugir aos seus planos. Era um homem ambicioso, que almejava abrir uma filial da sua empresa e tornar-se assim gerente, deixando as vendas. Tinha sido promovido há pouco tempo para chefe do departamento de vendas, mas, no entanto, precisava de continuar a efectuar algumas visitas ao domicílio, pois o seu chefe admitia-lhe o jeito para convencer algumas donas de casa. C. sorriu matreiramente à medida que contava isto. Tinha-se separado há pouco tempo e tinha um filho pequeno, a única coisa a que realmente dava valor e de que sentia falta. Do bolso da camisa tirou uma foto da criança e mostrou-a a “Beatriz”. “Beatriz” enterneceu-se. A criança era realmente linda, com um sorriso traquina e cara redonda. Devolveu-lha de olhar triste, lembrando-se dos seus projectos de ser mãe. Esteve quase a adoptar uma criança com o Manuel, a neta que a filha dele abandonara, mas com todas as mulheres a entrarem e a saírem de casa, “Beatriz” resolveu pensar melhor e com muito custo abriu mão da criança e resolveu não se envolver mais. Tentou mudar de assunto, começou a falar de viagens e planos para o futuro. Falou-lhe de como todos os anos se encontrava com as suas amigas da faculdade e que no próximo ano fá-lo-iam em Madrid. Contou-lhe que se formara em Coimbra e que uma vez que ia para a Figueira, talvez aproveitasse e no dia seguinte fosse matar saudades da cidade. C. disse-lhe que o escritório onde trabalhava ficava em Coimbra e que, se ela quisesse, no dia seguinte poderia dar-lhe uma nova boleia. “Beatriz” aceitou com um sorriso.
Entretanto, chegaram à Figueira e C. perguntou-lhe em que hotel ela queria ficar.
- Não tenho muito sono. Não me queres acompanhar noutra bebida? Também estou com alguma fome...
- Fazemos assim. Eu também mal jantei, como viste. Tenho uma garrafa de vinho branco no frigorífico e acho que se arranja qualquer coisa rápida para comer. Aceitas?
- Aceito, mas só se fores tu a cozinhar. É que eu não tenho jeito nenhum. Ia demorar horas e ainda íamos passar fome.
- Nesse caso, é a tua noite de sorte.
Em dez minutos chegavam a casa dele. Ela descalçou-se para caminhar sem tropeçar...

5 comentários:

InterRegionalíssimo disse...

ui ui... tou pra ver o final disto ;)

de qualquer das formas reafirmo o que disse... menos Abrunhosa... mais qualidade literária ;)

Expresso Oriente disse...

Ena, fico feliz. Mais qualidade é sempre bom, embora ainda deva estar bastante longe...
Não estás a ver o final, não. Garanto-te. Get ready for a big surprise. [Isto se as ideias que vou tendo enquanto conduzo não me fugirem na hora de escrever]

Leonor disse...

Eu disse que a rapariga tinha coragem. É giro, interessante. Vai ser uma short story ou uma long one?

Expresso Oriente disse...

Leonor:pois, deste um empurrãozinho a esta segunda parte. Short ou long ainda não sei... mas que planeio a lot of surprises, I do indeed :)

Partnére: disse que ia andar de comboio para poder inspirar-me e escrever sobre a experiência. Não andei. Andei de metro que vai dar ao mm, a viagem só é + curta e + apertada. Estou a pensar se falo sobre a experiência, desta feita real, de sair na estação errada e fazer uma maratona para chegar a uma entrevista de emprego...

Leonor disse...

Eu, marioneta de deuses e fados ambíguos, dei um empurrão numa Odisseia já descrita