quinta-feira, 29 de abril de 2010

Dia-a-dia neste comboio...

*Foto por Caroline Trentini para a Vogue






A minha vizinha hoje pôs-se aos gritos que há cinco dias que ninguém ia buscar o caixote do lixo para dentro da respectiva carruagem. Pus-me a pensar que também contabilizo dias mas em relação a coisas – supostamente – mais importantes. Ora, se ela contabiliza dias do lixo e não coisas realmente importantes… não será ela mais feliz do que eu, já que não tem nada realmente importante com que ocupar a sua mente a não ser o lixo do comboio?

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Das Necessidades e Das Completudes

*Foto por autor desconhecido




“Estás necessitada…”, dizes-me.



No entanto és tu que me procuras, quando eu te fechei a cadeado num baú antigo. Afinal és tu que necessitas de mim. Necessitas de alguém com quem te sentires superior. De alguém a quem manipular. De alguém que deites na cama antes de apanhares o comboio. Necessitas voltar a sentir esse poder e lembraste-te de mim.


“Estás necessitada…”

Necessitas de voltar a ser tu a ter esse papel, agora que é a ti que deixam na cama antes de partirem no primeiro comboio, agora que é a ti que mamipulam, agora que és tu a cumprir vontades de outro alguém, querendo certezas.


Não, não estou necessitada…

Mas tu estás…




terça-feira, 27 de abril de 2010

Do afastamento...

*Foto por autor desconhecido





"E ficou a ver Justino se afastando entre a fumarada do salão, tudo se comportando longe. Vezes sem conta ela vira esse afastamento, o marido anonimado entre as neblinas dos comboios. Desta vez, porém, o seu peito se agitou, em balanço de soluço. No limiar da porta, Justino ainda virou o rosto e demorou nela um último olhar. Com surpresa, ele viu a inédita lágrima, cintilando na face que ela ocultava. A lágrima é água e só a água lava a tristeza. Justino sentiu o tropeço no peito, cinza virando brasa em seu coração. (...)
Olhou o estrelejo nos céus. As estrelas são os olhos de quem morreu de amor. Ficam nos contemplando de cima, a mostrar que só o amor nos concede eternidades."



in "Perfume", Estórias Abensonhadas, Mia Couto




Partir é Esquecer

*Foto por autor desconhecido







Bebe do meu copo e agarra na garrafa.
Entra neste comboio comigo.
Para onde vamos? Não sei. Importa? Vem.
Partilha deste cigarro comigo.
Já sei que faz mal saúde mas que importa?!...
Vem, abraça-me. Abriga-me no teu corpo. Esqueçamos tudo. Remendemo-nos e às nossas feridas. Protejamo-nos das lágrimas que caem. Amanhã o sol há-de brilhar na próxima paragem. Sairemos. Sorriremos. Esqueceremos.
Vem comigo neste comboio.
Traz a garrafa.



segunda-feira, 26 de abril de 2010

Leva-me contigo... para longe (Confissões)

*foto por autor desconhecido








Pela primeira vez, o motorista de um comboio disse-me "olha" e eu arrependi-me de não olhar.

Tive pena de não entrar na locomotiva dele e de lhe dizer "leva-me para longe".

Sem pensar...





*Pagas-me um copo?





Cheers, Darling!


*Foto por autor desconhecido



Parabéns a ti e à menina do bmw!
Muitos mais meses de felicidade.
Esqueçamos os anos desperdiçados e bebamos a vocês!
Que apanhem muitos comboios, que façam muitas viagens, que percorram muitos quilómetros juntos, observando as paisagens que se vislumbram das janelas das carruagens.
Que partilhem muitas camas de compartimentos privados.
Muitos SudExpress, muitos Expressos do Oriente, muitos TGVs, Alfas, ou interregionais.
Cheers, darling!
Here’s to you!



domingo, 25 de abril de 2010

Este comboio de corda que se chama coração

*Foto por autor desconhecido








O que dá cabo disto tudo é a biologia. A porra da biologia! É a vontade de foder, é a necessidade de foder, é vontade de mais, de fazer coisas, de ver coisas, é a insatisfação. A porra do instinto maternal. Para o diabo com o instinto maternal! É a vontade de chorar, esta tristeza que se apodera de mim… É o sentir e o pensar, que eu gostava de eliminar. Parar de sentir. Deixar de pensar. O que dá cabo disto tudo é a biologia!


Não podíamos agarrar nisto tudo e metê-lo dentro de um comboio, fechado no vagão de mercadorias? Agarrar na porra da biologia e mandá-la para o Cazaquistão? Agarrar numa caixa e colocar lá coração, cérebro, ventre, vagina, mamas… Bem, as mamas não. Gosto das minhas mamas. As minhas mamas são bonitas e a estética não deve ser enfiada num vagão de mercadorias mas numa carruagem de primeira classe.


O que dá cabo disto tudo é a biologia!...


São tão mais felizes os robots. Não pensam, não sentem, não saudam, não choram, não amam. Não se cansam – estou tão cansada… Não têm insónias nem adormecem durante uma goleada do Benfica. Não sonham nem têm pesadelos. Não têm fome, não têm sede – tenho tanta sede… Pagas-me um copo?...


O que dá cabo disto tudo é a biologia!...




sexta-feira, 23 de abril de 2010

Quero ser tomada por um comboio!

*Foto por autor desconhecido






Já fui buscar o carro à oficina, fiz a depilação, atestei o depósito e a garrafeira.

Agora quero que passes por cima de mim que nem UM COMBOIO!!!...



*Traz cerejas...


quinta-feira, 22 de abril de 2010

Comboios Palmaníacos

*Foto por Geoff Barrenger



Olá! Sempre apanhaste o tal comboio? Eu já perdi dois ou três… Acabei por pegar no carro e rumar sem destino. Mas entrou na reserva depois de dois kms e lembrei-me que precisava de o pôr na oficina. O pedal do travão bloqueia. O contrário do meu cérebro, que corre desenfreado…
Queria apanhar o SudExpress amanhã. Acho que já há lugares. Mas o correio atrasou-se e ainda não recebi e entretanto lembrei-me que tenho uma reunião amanhã e que ainda não estou de férias ou desempregada e vou ter aulas assistidas e ser avaliada e… Ainda não é desta.
Ontem ofereciam-se framboesas. Vermelhas e pretas. Gosto mais das vermelhas. Ou será das pretas? Ofereci um flute de espumante. Hoje o vinho está a terminar. Resta uma dose de whisky e três cervejas. As cervejas já têm oito semanas. Ninguém as bebe. Não gosto de cerveja nem de whisky mas bebia outro copo. Pagas-me um copo? Trazes-me uma garrafa? Bebes comigo? Queres beber as cervejas? E o whisky? Não quero olhar mais para elas. Não me servem de nada. O Passado já lá foi...
Lembrei-me que no comboio para Santarém um dos meus amores ficou com o meu CD dos Def Leppard. Aquele do Love & Hate e do Love Bites. Já senti as mordidas do Amor. Rasgou-me a pele. Fiquei marcada. E no comboio para Lisboa outro dos meus amores ficou com um livro meu. Faz-me lembrar o Love & Hate dos Def Leppard que perdi. Amo-te! Amo-te ainda! Amar-te-ei sempre? Mas odeio-te em igual medida! Detesto perder livros! Não gosto que fiquem com os meus livros! Fica com tudo de mim mas não com os meus livros! Odeio-te! Amo-te! Odeio-te por te amar tanto! Ou amar-te-ei por te odiar tanto? Não sei… Amo-te?
Talvez agora a coisa dê… Agora que o passado foi à história.
Encontro-me numa qualquer estação. A do Rossio que é a mais bonita, para me desencontrar da menina do BMW que apanha o comboio na estação do Areeiro.
E as framboesas acabaram e o vinho acabou. E tu? Pagas-me um copo? Mostras-me que não há diferença entre amar e foder? Apagas-me? Reeditas-me?
Iremos encontrar-nos noutra estação? Apanharemos um comboio juntos? Vens comigo no SudExpress? Desarruma-me as ideias. Já passei por tantas mudanças que não sei mais quem sou nem para que estação me dirigia.
E as framboesas acabaram e o vinho acabou. Pagas-me um copo?
Cá estamos nós outra vez…

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Henrik no Comboio

*Foto por Mike Larson




Sento-me no banco de comboio. Gosto de bancos de comboio, tão paisagísticos. Uma rapariga senta-se a meu lado, não resisto a olhá-la, toda ela é economia pura, sem excessos, sem nada de extravagante, e por isso capta a minha atenção. Desgosto de mulheres excessivas, minto, não desgosto, apenas não consigo amar mulheres excessivas. As mulheres excessivamente belas estimulam o excessivo em mim: o sexual. Dificilmente consigo amar uma mulher extremamente bela, demasiado visual, chamem-me o que quiserem mas uma mulher excessivamente bela só me apela ao sexo, tudo nessas mulheres me desvia da paixão duradoura só apela à líbido. Pelo contrário, pensava eu no comboio, uma mulher destas, suave, sem excessos físicos, uma mulher destas, que raramente aparece nas prioridades de lobos nocturnos e diurnos, é para mim um festim de beleza. Uma mulher destas poderia ser um belo amor. Um mulher que mexe as mãos economicamente, coluna hirta como se não pudesse desfazer a pose, talvez não possa, que em cada gesto revela todo um processo mental de realçar as qualidades, isso impressiona-me, essa autoconsciência, fixo-lhe os gestos manuais, faciais, o cruzar e descruzar de pernas, tudo em breve economia. E sorrio, por não passar disso mesmo, dum mero pensamento, uma observação sobre algo trivial, e no entanto tão central em mim: poderia apaixonar-me por uma mulher assim, de facto, e sorrio por saber que no fundo, no fundo, por breves minutos, tê-lo-ei feito, e depois saio do comboio e apenas fica essa imagem, sem mais nada para contar.




por Henrik




terça-feira, 20 de abril de 2010

SudExpress e Cabelos de Framboesa (3)

*Fonte: Vogue




Talvez no final da semana consiga entrar no SudExpress. Ir até ao Louvre e dizer à Mona Lisa que pare de se fingir tão puritana, que é uma puta! Que estou farta dela e não sei o que vêem nela! Naquela puta, insípida, cheia de falsos moralismos, mulher-anjo-mistério que finge não querer ser tocada quando olha para o Leonardo cheio de vontade de o foder como uma perdida.
Talvez no final da semana consiga entrar no SudExpress.
No outro dia alguém me disse que somos nós que temos que nos adaptar ao mundo e não o mundo a nós. Não percebo o que quer isso dizer. Porque tenho eu de me adaptar ao mundo? O mundo é tão grande, tão vasto, tão desorganizado, tão confuso, tão cheio de incongruências, tão desequilibrado, tão injusto. O mundo está sempre a mudar de ideias. Como me posso eu estar constantemente a adaptar às suas vontades? Não, não quero. O mundo que se adapte a mim e às minhas vontades. Eu não sigo os caminhos que o mundo quer. Sigo os meus. Apanho os comboios que quero. Uso o meu livre-arbítrio. Não sei qual é o caminho que vou tomar mas sei que não é aquele que o mundo quer!
E talvez no final da semana consiga entrar no SudExpress e sentar-me com um livro na mão nas escadarias do Sacré Coeur.
Vou lavar o cabelo de vermelho-vivo-sangue-paixão.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

SudExpress e Cabelos de Framboesa (2)

Fonte: Vogue


O SudExpress continua lotado. E eu que queria tanto ir a Paris. Eu que queria encher as minhas malas de mim e de ti e levar-te comigo na mala para que pudesses ver Paris. Tu que tens as pernas tão presas a esses ramos da cerejeira que ela tanto contempla todas as manhãs. Tenho pena da tua ilusão de independência, tu que estás tão amarrado ao teu falso mundo, à tua falsa liberdade que não te leva a lado nenhum. Gritas tanto que és livre e de tanto pensares na tua liberdade não vais a lado nenhum.
Há dias passei horas a discutir se se fodia ou se se fazia amor. Disseram-me que era infantil fazer amor. Que nada disso existia. De facto, senti-me tremendamente fodida por essa ideia! Sou tão mulher e quero fazer amor. Quero fazer amor! Faz-se arte. Faz-se poesia. Faz-se literatura. Faz-se alguém feliz. Fazemo-nos felizes (ou infelizes). Eu quero fazer amor! Não se diz “make love not war”? Portanto, faz-se amor! Eu quero fazer amor! Mas também quero foder! Quero meter-me-te no SudExpress e foder-me-te-nos! Mandar foder tudo! Fode-te! Foda-se! Foda-se tudo! Vai-te foder! Pensando bem… já resta muito pouco amor… Mas eu não gosto da passividade de ser fodida.
Fuck you , fuck it all, 'cause I don't give a fucking damn, you fuck!

E o SudExpress continua lotado. E os meus cabelos cheiram a framboesas vermelhas e eu hoje apetece-me sujar os dedos de framboesas pretas. E prender-me em lenços de seda.

domingo, 18 de abril de 2010

SudExpress e Cabelos de Framboesa (1)

*Foto de Russel



O SudExpress está lotado até quarta.
Logo agora que eu queria dar um pulinho até Paris e refugiar-me dentro do Louvre, o SudExpress está lotado.
Logo agora que eu queria olhar a Mona Lisa e dizer-lhe”Porra! O que é que tu tens de tão especial que deixas os homens presos no teu olhar?! Eu não vejo o que tens de especial! És feia, porra!”
Logo agora que eu queria passear no Sena à noite.
Logo agora que eu queria comprar livros numa feira de rua e subir até ao Sacré Coeur e sentar-me nas escadas a apreciar a vista.
Logo agora, o SudExpress está esgotado.
O meu champô é vermelho vivo, cor de sangue, cor de paixão e feito de framboesas vermelhas e seda. Gosto de framboesas vermelhas. E das pretas também. Gosto de quando te amarrava com lenços de seda e não podias fugir de mim. O meu champô vermelho vivo cheira bem nos meus cabelos castanho – cobre – doirados.
E logo agora não há mais bilhetes de comboio e não posso ir para Paris.
Hoje sorri . Senti-me aliviada ao pensar nas tuas incongruências. Sorri ao perceber que hasteias a bandeira da independência e de que estás sempre tão dependente de alguém, sempre necessitado de um empurrão para fazer coisas, para ver lugares. E eu, eu já vi mais mundo que tu, eu sigo livre e solta, só, sempre só, mas sempre em movimento. Vou onde o vento me sopra – menos agora que o SudExpress está lotado. Eu vejo o Miguel Guilherme e a Isabel Abreu, vejo a Maria do Céu Guerra, vejo a Rita Blanco, o Miguel Luís Cintra, ópera, teatro, música, pintura, fotografia, escultura, artes plásticas, vejo a Joana Vasconcelos e o Robert Longo, vejo Paris, Londres, Madrid, Berlim, Roma, Nápoles, Matera, Pompeia. Não dependo de ninguém e vou a todo o lado – menos agora que o SudExpress está lotado. E tu queres ser o fumo do charro que enrolas para poderes libertar-te mas não sais desse teu sítio sem que alguém pegue em ti, qual charro passado, e te transporte para as mãos de um outro lugar. Tu afundas-te nessa garrafa que esvazias, sem conseguires vir à tona e derivar para outro cais. E eu sou livre. Mas o SudExpress está lotado…

sábado, 10 de abril de 2010

Viagens da Treta e Contos de Fadas Mal Contados






Agarrou nela e meteu-a no comboio em direcção a Queluz. Não importa agora que comboio era: se partiu de Alverca, Roma-Areeiro ou Rossio; se viajava com destino a Mira-Sintra/Meleças ou a Sintra. Nem importa quem ela era (se nem ela o sabia). Importa que ela passava o tempo todo a sonhar com histórias de príncipes e princesas e finais felizes. Com sapatinhos de cristal que lhe coubessem no pé fidalgo, com carruagens que não eram puxadas por uma locomotiva e com castelos e palácios. Foi por isso mesmo que ele a levou ali – ao palácio -, a fim de que ela parasse de o chatear com contos de fadas. Pegou-lhe na mão e transportou-a por todos os salões, quartos e quartinhos daquele espaço aristocrático. Mostrou-lhe onde dormiam as princesas, onde comiam as princesas, onde estudavam, tocavam, se vestiam ou costuravam as princesas. Mostrou-lhe onde se assinavam tratados, onde reis, príncipes, condes e barões fumavam. E ela que queria ser princesa e queria fazer dele príncipe começou a sentir-se sufocar e de cada vez que olhava para a janela sentia-se aprisionada numa redoma de vidro. Finalmente chegaram ao jardim e foi como se a tivessem libertado, como se tivessem soltado o espartilho que lhe esmagava costelas. Sentou-se à beira de um espelho de água e olhou o seu reflexo mas não se viu. Aproximou o rosto e ao lado do lugar onde deveria ver a sua imagem observou um ser inicialmente disforme e esverdeado. Ao observar mais atentamente percebeu que era um sapo que olhava. Colocou a mão na água para lhe tocar e sentir a pele viscosa mas não encontrava o sapo que havia visto. Retirou a mão e enquanto a água estagnava voltou a observar a figura verde, agora parecendo chegar-se a ela. Iria saltar da água. Ele beijou-a no pescoço.