quarta-feira, 9 de maio de 2007

Caminhos Cruzados (2)


*Foto de Marco Ricca


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Guilherme encontrava-se já a caminho do Entroncamento onde apanharia o comboio de regresso a Lisboa. À janela do lugar 7, na carruagem 7, levava os olhos fechados e recordava o rosto da única mulher que realmente amara na última vez que a vira. Tinha sido a um sábado do mês de Julho. A mulher tinha ido trabalhar e ele ficara em casa com o filho mais velho, naquela altura com cerca de 8 meses. Convidara-a para almoçar. Ela ficou relutante em aceitar por ser na casa dele e não querer desrespeitar a sua esposa, mas acabou por anuir. Lembro-me que demorou muito a chegar e eu dificilmente consegui segurar a ansiedade em estar com ela de novo. Enfim, chegou e desculpou-se pelo atraso mas tinha tido dificuldades em dar com o prédio. Vinha da praia. Estava bronzeada, cheirava a sal e a protector solar. Trazia o cabelo apanhado num rabo-de-cavalo, uns calções e uma t-shirt branca. Estava nervosa, pouco à-vontade e os olhos dela fugiam sempre dos meus. Nunca tínhamos estado assim sozinhos desde que eu me casara. Perguntou pelo bebé pois sentia a falta dele ali para não nos centrarmos tanto um no outro. Disse-lhe que estava a dormir no quarto dele. Entretanto, fui à cozinha fazer-nos cafés e o bebé acordou a chorar. Quando fui ao quarto encontrei-a a pegar nele. Enterneceu-me aquela imagem, dela com o meu filho. Foi difícil esconder os pensamentos que passaram pela minha cabeça naquela altura. Ela percebeu, como sempre acontece entre nós. Nunca precisamos de dizer um ao outro aquilo em que estamos a pensar. Às vezes dava jeito que não fosse assim, especialmente no nosso caso. Depois dei comer ao bebé e ele voltou a adormecer. Voltámos a ficar sós. Ficámos ambos nervosos, ela mais do que eu. Não dissemos nada. Apenas nos perdemos no olhar um do outro e deixámos que os nossos olhos dissessem tudo. Esqueci o mundo, a minha mulher, o meu filho, esqueci tudo. Só ela existia para mim. Não sei como abraçámo-nos, num abraço forte, como se de o último se tratasse sem o sabermos. Os nossos rostos aproximaram-se, os nossos lábios quase se tocaram. Ela afastou-me e lembrou-me que eu era caso, que tinha um filho e que nem sequer devia ter ido ali. Saiu a correr. Nunca mais nos vimos. Ainda nos falámos durante uns tempos mas a minha mulher acabou por descobrir e tínhamos grandes discussões. Nunca consegui esconder de ninguém aquilo que sinto pela Margarida e quando a minha mulher ficou novamente grávida tive de fazer uma escolha e afastar-me. A Margarida compreendeu e nunca me procurou. Ela sempre respeitou o meu casamento. Mas nunca nos esquecemos e, agora, ali estava ele, naquele comboio. “Próxima estação: Entroncamento”

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