segunda-feira, 7 de maio de 2007

A Hora Certa


Foto por: Larry Gaspar


Impaciente caminhava de um lado para o outro do corredor da carruagem... gesticulava sozinho e para si próprio indiferente aos olhares de reprovação e/ou gozo dos outros passageiros... a viagem era longa... e ele sabia-o bem... mas a ansiedade que sentia quase lhe fazia sair o coração pela boca de tanto bater... incapaz de estar quieto um segundo que fosse... roía as unhas e já os dedos nalguns casos, pois começavam a faltar unhas para roer...
Caminhava e circulava pela carruagem como se o seu movimento se transmitisse à carruagem e impelisse o comboio para a frente... sim porque era para frente que queria ir... olhava para o relógio de 10 em 10 segundos como se nesse intervalo de tempo ele pudesse ter parado... e a sua inquietude começa a perturbar seriamente os outros passageiros...
Dali a uns minutos entrou o revisor... avistou-o logo que entrou e não tirou mais os olhos dele... ao chegar perto dele disse: - o que é que o senhor está aqui a fazer? Há algum problema com o seu lugar?!... Não respondeu... apenas levantou os olhos e olhando para o revisor sentou-se por meros minutos, talvez segundos... mesmo esses escassos momentos foram de inquietude constante...cruzava e descruzava a perna, recostava-se, inclinava-se para a frente, olhava pela janela, olhava para o chão... esfregava com os pés um no outro... parecia poder explodir a qualquer momento... o revisor, na volta... apercebendo-se do estado daquele homem dirigiu-se novamente a ele e num tom bem mais calmo e amigável perguntou:
- mas o senhor sente-se bem? Há alguma coisa que eu possa fazer por si?
Desta vez o homem respondeu... com voz trémula e engasgada pela secura que já lhe ia na garganta – Não, não pode, ninguém pode fazer nada por mim! Quem quer não pode e quem pode não quer... – rematou a frase sem no entanto dar mais explicações...
Levantou-se novamente... percorreu a carruagem de ponta a ponta e parando junto a uma senhora na primeira fila de lugares perguntou-lhe: - A senhora tem horas que me diga, se faz favor? Acho que o meu relógio parou!Tenho sim – disse ela... mas não lhe digo... não vale a pena... ainda não está na sua hora... Surpreendido com a resposta levantou a cabeça olhou em frente e voltou subitamente calmo para o seu lugar sentando-se... por momentos parece que toda a carruagem ficou em suspenso à espera que alguém dissesse algo... mas ninguém disse...
Sentado, numa postura bem mais relaxada e calma, assim permaneceu aquele homem sem que ninguém percebesse o porquê de tal mudança repentina até que o Comboio parou... era o local de saída da senhora da primeira fila e esta levantou-se e deslocou-se pela carruagem em direcção à porta. Ao passar junto do homem este virou a cabeça e disse: - como é que a senhora sabe que ainda não está na minha hora?Já vivi muito – respondeu ela – já sou velha, tão velha como os ponteiros deste meu relógio e sei que está longe de achar a hora que procura – e dizendo isto saiu, deixando os restantes passageiros ainda mais confusos...

Passados alguns segundos e já com o comboio a iniciar viagem... o homem levantou-se rapidamente, correu para a porta e gritou para a senhora que já estava a sair do apeadeiro: - Obrigado! Tem toda a razão! Só agora percebi o que quis dizer-me... não adianta eu querer apressar uma coisa que tem o seu tempo... quando chegar a hora... eu saberei... é isso não é?! – e a senhora, à medida que o comboio se afastava cada vez mais e antes de desaparecer totalmente do alcance da vista, acenou-lhe com a cabeça, dizendo que sim... que era isso mesmo...

1 comentário:

Expresso Oriente disse...

excelente capacidade descritiva, colega... e que grande simbologia tem este texto. que lição nos dás...